Thursday, June 05, 2008

 Petróleo com defesa nuclear
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou ontem, em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, que o Brasil usará submarinos nucleares e 50 navios-patrulha para proteger os campos marítimos de petróleo. O primeiro submarino nuclear brasileiro, contudo, só estará pronto em 10 anos, segundo ele, ao custo de R$ 1 bilhão. Jobim informou que o governo já tem parecer favorável da Organização das Nações Unidas (ONU) para estender as águas jurisdicionais brasileiras até 350 milhas, de forma a poder explorar novos campos petrolíferos. Jobim ressaltou que o submarino nuclear brasileiro não terá objetivos de ataque.
Correio Braziliense RAPOSA SERRA DO SOL
Jobim descarta risco à soberania
Ministro da Defesa defende terras indígenas em fronteiras e acredita que julgamento no STF sobre a reserva ajudará a definir regime jurídico para o tema
Leonel Rocha
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá estabelecer definitivamente um regime jurídico para as terras indígenas brasileiras e compatibilizar a demarcação dessas terras com a faixa de fronteira. Essa é a expectativa do ministro da Defesa, Nelson Jobim, com relação ao julgamento da ação do governo de Roraima contra a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em áreas contínuas no nordeste do estado. Jobim revelou seu desejo ontem, durante depoimento na Comissão de Defesa Nacional da Câmara para tratar da questão. A análise da Corte está prevista para julho.
O ministro descartou qualquer risco à soberania brasileira o fato de a área em Roraima ter sido demarcada na fronteira norte brasileira. Jobim lembrou que outra reserva, a dos Yanomamis, também se localiza na fronteira com a Venezuela e não houve, na ocasião, nenhum questionamento sobre a soberania brasileira. “Se a propriedade privada na fronteira não ameaça a soberania, por que a terra indígena provocaria isso?”, indagou o ministro.
Ele disse que, além do regime jurídico e da compatibilização da demarcação das reservas com o trabalho das Forças Armadas nas fronteiras, o Supremo também explicitará que área de usufruto de tribos indígenas estão submetidas às leis brasileiras, inclusive as ambientais, e outras que garantem a permanência das Forças Armadas nessas regiões. “Terra indígena não está imune à ação das Forças Armadas”, reafirmou Jobim. O governo está estudando a ampliação do número de pelotões de fronteira em terras indígenas da fronteira norte.
Jobim reafirmou que a questão indígena na Amazônia tem de ser tratada como um assunto nacional. “Essa agenda tem que ser do Brasil e não ditada por interesse internacional”, defendeu. Ele alertou que conflito indígena também se resolve com assistência do Estado. E lembrou os índios guaranis e caioás, do Mato Grosso, que sofrem graves problemas de saúde e carecem de assistência. “O problema indígena não é só terra”, comentou Jobim
Ridículo
Jobim classificou de “dilema ridículo” a discussão que coloca como opositores ambientalistas que desejam transformar a Amazônia em um parque e os chamados desenvolvimentistas, que defendem a derrubada da floresta para implantar projetos agropecuários. O ministro defendeu a adoção, pelo governo, de um modelo de integração das comunidades indígenas com a sociedade “branca”. Ele considerou o conflito que atinge o Congresso como “equivocado”.
Sobre a participação de organizações não-governamentais, o ministro defendeu a verificação e a pertinência da atuação de cada uma delas no Brasil. “O fato de ser uma ONG não significa um salvo conduto para entrar no Brasil. Precisamos saber de onde veio, por que veio e quem paga para ela estar no Brasil”, disse Jobim.
Correio Braziliense BRASÍLIA-DF
O petróleo é nosso
Luiz Carlos Azedo e Guilherme Queiroz
Subiu no telhado a 10ª rodada de licitações de áreas exploratórias pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), prevista para este ano. O órgão aguarda definição do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Se passar da segunda quinzena de julho, não haverá tempo hábil para publicação do edital e realização do leilão. Também foi para o telhado a reabertura da 8º Rodada, suspensa em 2006 por ordem judicial, que o governo não sabe se abre e fecha para validar a concessão de blocos já leiloados ou dá continuidade ao leilão sem incluir a camada de pré-sal da bacia de Santos.
O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, joga pesado para evitar o leilão. É um nacionalismo de conveniência para os negócios da estatal, que acaba de encomendar a construção de 12 sondas-plataformas no exterior, quando a orientação do governo é construí-las no Brasil. A propósito, a empresa ainda não sabe o que fazer com o gás do Campo de Tupi, entre março e novembro, por atraso na execução do cronograma de produção.
Correio Braziliense FUNCIONALISMO
Reajuste sai, não se sabe quando
Dificuldades para rodar a folha suplementar dos servidores do Executivo contemplados com aumento deixa indefinida a data do pagamento. Ministro do Planejamento garante depósito ainda este mês
Luciano Pires
O projeto de lei que abre crédito extraordinário no valor de R$ 7,5 bilhões — para o pagamento do reajuste de servidores — e que substituirá a Medida Provisória 430 está parado no Congresso Nacional desde o dia 27 de maio, data em que chegou ao Senado. Por causa do embate político em torno da criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS) — a nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) — tanto as lideranças da base aliada como as da oposição deixaram o assunto de lado e sem perspectiva de ser votado nesta ou na próxima semana.
Apesar do discurso reforçar justamente o contrário, o governo não tem pressa em aprovar a proposta. Como a MP está em vigor, em tese, não há risco do reajuste autorizado aos 800 mil civis de 17 categorias do Executivo federal cair. Há tempo suficiente para que os parlamentares a aprovem, já que o texto tem validade até o fim de setembro — contando com o recesso parlamentar do meio do ano. No momento, o governo prefere se dedicar a resolver problemas mais urgentes.
O principal deles é definir a forma como o aumento será pago ao funcionalismo. A expectativa era que a folha suplementar fosse paga esta semana, próxima a data normal do depósito dos salários. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admite dificuldades momentâneas em rodar a folha adicional. Segundo ele, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) trabalha em ritmo acelerado, mas devido ao grande volume de processos, não tem conseguido ajustar as dezenas de tabelas remuneratórias no ritmo desejado. “O pessoal do Serpro está sobrecarregado fazendo as mudanças, fazendo os testes”, afirmou Bernardo.
O contratempo, no entanto, não preocupa o Ministério do Planejamento. Paulo Bernardo justificou que, independentemente dos obstáculos, as carreiras receberão os aumentos ainda em junho. “Há uma decisão de pagar neste mês, mas não sabemos se será por folha suplementar. As pessoas vão receber, podem receber talvez só no fim do mês”, completou. Em resposta à tese levantada pelo ministro, servidores do Serpro ouvidos pelo Correio negaram a sobrecarga de trabalho ou problemas técnicos na confecção da folha salarial extra.
Enquanto uma parte do funcionalismo aguarda o aumento, outra ainda tenta fechar acordos com o governo. Ao todo, 300 mil pessoas das mais variadas áreas do Executivo esperam ser incluídas na segunda medida provisória que vai reestruturar carreiras e garantir ganhos no contracheque. Nesse grupo estão incluídos os servidores do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), os administrativos do Ministério da Fazenda e os da Ciência e Tecnologia, os administrativos da Advocacia-Geral da União (AGU) e os do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A data limite para a assinatura dos acordos que restam é sexta-feira, dia 13. Informalmente, técnicos e representantes dos servidores estabeleceram esse prazo como o mais adequado para a conclusão das negociações. O envio da nova MP à Casa Civil deverá acontecer no dia 16. As carreiras de Estado, além dos auditores-fiscais da Receita Federal e dos servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também esperam ser beneficiadas.
Troca da MP atende STF
A decisão de trocar a MP 430 por projeto de lei foi tomada em maio depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, pela primeira vez na história, uma medida provisória editada pelo presidente da República que liberava créditos extraordinários. Embora forçada, a mudança de estratégia expôs divergências dentro do governo e entre parlamentares da base aliada.
Paulo Bernardo foi um dos que mais protestou. Temendo pelos reajustes, o ministro do Planejamento insistiu para que a medida provisória não fosse retirada do Congresso Nacional até que se aprovasse o projeto de lei. Afinal, o acordo com os servidores custou muita negociação. E o processo ainda não acabou: muitas categorias ainda devem ser brindadas por aumentos em outras MPs, como os auditores fiscais que passaram mais de 50 dias em greve.
Bernardo alertou o colega José Múcio, das Relações Institucionais, e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), de que se a MP do crédito extraordinário saísse da pauta, a outra, que autorizava o pacote de reajustes, também teria de ser retirada.
Prevaleceu, então, o bom senso. Depois de acertar com os deputados e senadores de oposição, o governo concordou em manter a MP e aprovar o PL em caráter de urgência. O problema é que nem isso bastou. Mesmo com toda a costura política e as promessas de aprovação rápida, os parlamentares acabaram “esquecendo” o PL em alguma gaveta. Sem querer, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, acabou profetizando, no mês passado, o que está acontecendo agora. “Há uma firme disposição de aprovar esse projeto de lei no mesmo tempo, no mesmo prazo das medidas provisórias que tratam do aumento de salário”, disse à época. (LP)
Correio Braziliense Os primeiros filhos do PAC
Quarto balanço do Programa de Aceleração do Crescimento mostra obras concluídas. Liberação de recursos continua lenta
Edna Simão
Criado em janeiro do ano passado, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) continua com dificuldades de liberação de recursos para os projetos prioritários ao crescimento sustentável do país. Do orçamento previsto de R$ 15,77 bilhões, R$ 4,39 bilhões (27,83%) foram empenhados (reserva de recursos) e R$ 3,14 bilhões (19,9%) efetivamente pagos. Esse desempenho é ligeiramente melhor do que o do mesmo período do ano passado. O primeiro balanço quadrimestral do PAC mostrou que 20% dos recursos previstos para o primeiro ano do programa (R$ 9,5 bilhões) haviam sido empenhados até 30 de abril de 2007.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, explicou que o desempenho só não foi melhor por causa da demora na aprovação do Orçamento Geral da União pelo Congresso Nacional. Ele ressalta, no entanto, que dos R$ 6,57 bilhões projetados para os cinco primeiros meses do ano foram empenhados 66,81% (R$ 4,39 bilhões.
O presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, admite melhora no ritmo de liberações, mas considera que é possível um avanço maior. “O desafio, a partir de agora, é concentrar esforços na superação dos impedimentos que dificultam a execução dos orçamentos e dos cronogramas, tanto por parte do poder público quanto do setor privado, para que seja possível aumentar o ritmo das obras”, destaca.
Uma das novidades do quarto balanço do PAC é que nele começam a aparecer dados de obras concluídas — 88 nas áreas de infra-estrutura logística e energética. São, conforme o texto de apresentação do programa, produzido pelo Comitê Gestor do Programas, os primeiros “filhos” do PAC que nasceram. Das 2.120 ações monitoradas no primeiro quadrimestre deste ano, 1.845 (87%) estão sendo desenvolvidas em ritmo adequado, sendo que 61% são obras em andamento que deverão “vir à luz” nos próximos meses.
Estado preocupante
Apesar desse quadro aparentemente positivo, várias obras estão paradas devido a questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) ou por falta de licença ambiental. Tanto é que dezembro para abril, a quantidade de ações preocupantes permaneceu estável em 2%. Por outro lado, 87% estão andando em ritmo “adequado”, 6% merecem atenção e 5% estão concluídas.
Uma das áreas em que há o maior número de obras em estado preocupante é a de aeroportos. Das oito ações prioritárias, três passaram a ser classificadas como preocupante por questionamentos do TCU — aeroportos de Vitória, Macapá e Guarulhos —. “Existem questionamentos relacionados, por exemplo, aos preços praticados. Consultamos o Ministério da Defesa e a Infraero e resolvemos classificar essas obras como preocupantes”, informa a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Correio Braziliense PROTESTOS NO HAITI
Multidão exige segurança

Cerca de mil pessoas se reuniram ontem em frente ao Palácio Nacional e ao Palácio de Justiça, em Porto Príncipe. Manifestantes de vários setores da sociedade reivindicaram o fim dos seqüestros e o tráfico humano. Um grupo de 12 pessoas gritava e estendia faixas pedindo a volta do ex-presidente, Jean-Bertrand Aristide, deposto do poder em fevereiro de 2004 (foto). Segundo o tenente coronel Silvestre, oficial de informações públicas do Batalhão de Infantaria da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), “os soldados já tinham sido informados um dia antes de que haveria a manifestação naquela região e por isso reforçamos o local com três tanques de guerra”. Dados da ONU mostram que em 2006 foram registrados 500 seqüestros no país. Em 2007, o número caiu para 237. Somente no último mês de maio, ocorreram 30 seqüestros, 15 deles de crianças.
Folha de São Paulo Internet espalha boato sobre internacionalização da floresta amazônica
Um spam (uma mensagem não solicitada) que vem entupindo as caixas de entrada dos e-mails alerta sobre um plano para transformar a Amazônia em uma reserva internacional, citando como prova um suposto livro ("An Introduction to Geography", de David Norman) adotado em escolas dos Estados Unidos, no qual a Amazônia já aparece separada do Brasil.
O spam traz a "horrorizante tradução" de um trecho do livro, segundo o qual "desde meados dos anos 80 a mais importante floresta do mundo passou a ser responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas", já que os países que a controlavam eram "reinos da violência, do tráfego [sic] de drogas, da ignorância, e de um povo sem inteligência e primitivo".
Esse livro não existe nas bibliotecas norte-americanas: basta consultar o site Worldcat (www.worldcat.org), que faz uma busca simultânea em mais de 10 mil bibliotecas, para constatar que se trata de uma obra fantasma. Todas as publicações comerciais dos EUA são registradas na Biblioteca do Congresso e tal livro não consta de seus arquivos. Tampouco pode ser encontrado em livrarias como a Amazon e a Barnes&Noble.
Existem vários autores com esse nome -o mais produtivo é um paleontólogo com vários livros sobre dinossauros-, mas nenhum deles escreveu sobre geografia.
O inglês macarrônico da mensagem revela que o texto certamente não foi escrito por um norte-americano. Vários erros (padronização, grafia, concordância) sugerem que o autor da fraude é provavelmente um brasileiro com pouca fluência no idioma. A própria montagem é tão grosseira que a página 76 do livro, onde aparece o suposto mapa, fica do lado reservado às páginas ímpares.
Apesar das evidências de fraude, o e-mail se disseminou a tal ponto que chegou a ser reproduzido em um clipping distribuído pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em 2001 -o que obrigou a Embaixada do Brasil nos EUA a apontar a fraude. Apesar disso, o spam circula até hoje.
Jornal do Brasil COLUNA GILBERTO AMARAL
Noite de Reis e Rainhas
O Palácio do Itamaraty viveu uma noite de Reis e Rainhas, durante a apresentação da peça “A Vinda da Família Real ao Brasil”, promovida em benefício da construção do Instituto do Câncer Infantil e Hospital Pediátrico de Brasília, obra da Abrace. Antes da encenação, uma apresentação do Quinteto de Cordas do Teatro Nacional, com direção musical do maestro Cláudio Cohen.
Na mesa principal, o presidente em exercício José Alencar e dona Mariza, o governador José Roberto Arruda e Flávia, Inês Maria Neves, mãe do governador de Minas, Aécio Neves, dom João de Orleans e Bragança, Tetéia Casaes, Bertha Mendes de Souza, dona Lily Marinho e a ministra do Supremo, Ellen Gracie. Ao som da música da ópera Aida, um “Appeleve” anunciou a abertura oficial do buffet com apresentação triunfal de maitres vestidos de “libré” em veludo vinho, segurando abafadores de prata.
Candelabros altíssimos nas mesas, lindos arranjos com frutas da época e de flores, são só alguns detalhes da magnífica decoração de Valéria Leão. O coquetel e jantar assinados pelo Adriana Buffef, nota 10. Se não bastasse a beleza que foi a noite “black tie”, as senhoras levaram de recordação um leque em madeira trabalhada no estilo imperial, um mimo de dona Mariza.
Exército agirá com ou sem reserva, diz Jobim
Ministro afirma que Lula só espera decisão do STF para enviar tropas às regiões de fronteira
João Domingos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aguarda apenas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade ou não da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para determinar a instalação de pelotões de fronteira do Exército em toda a área fronteiriça do País - seja ela ocupada ou não por índios. A informação foi dada ontem pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, durante audiência na Comissão de Defesa Nacional e Relações Exteriores da Câmara.
O ministro também informou que, atualmente, estão na Amazônia 21 mil homens do Exército. Sem definir números, ele enfatizou que a intenção de Lula é de que esse contingente cresça muito e que o sistema de defesa seja mais eficiente que o atual.
“No nosso sistema estratégico de defesa, o Exército deverá ter mobilidade e monitoramento”, avisa Jobim. “O monitoramento nós já fazemos pelo céu. Agora, queremos os pelotões para atuar na parte de baixo das árvores, porque lá não é possível fazer o controle.”
SOBERANIA
Para Nelson Jobim, o propalado “conflito entre terra indígena e soberania nacional é um equívoco”, que foi “produzido pelo imaginário dos dois lados”. Na sua opinião, a demarcação de terras indígenas em zonas de fronteira não coloca em risco a soberania. Esse seria o caso da Raposa - uma área de 1,7 milhão de hectares, na fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela, habitada por cerca de 17 mil índios.
“De acordo com a Constituição, as terras indígenas pertencem à União. São cedidas aos índios, mas, se por uma infelicidade, uma dessas tribos deixar de existir, continua em poder da União”, afirmou o ministro. Ele lembrou ainda que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, onde os índios são considerados nações, no Brasil eles são, constitucionalmente, brasileiros índios.
“Índios no Brasil pertencem a tribos e não a nações”, enfatizou. Com isso, argumentou, ninguém pode dizer que determinada área é dos índios, porque não é - é da União, em usufruto por eles, que são cidadãos brasileiros, explicou. Reservas não são zona de exclusão, mas áreas de integração de comunidades indígenas com a sociedade brasileira, segundo Jobim.

O ministro também disse aos parlamentares que é necessário providenciar a conciliação entre ambientalistas radicais, que defendem a transformação da Amazônia em um “parque para a comunidade internacional”, e os desenvolvimentistas, que falam em nome do crescimento econômico a qualquer custo. A solução, recomendou Jobim, seria a elaboração de um projeto de desenvolvimento sustentável para a região, dentro do Plano Amazônia Sustentável (PAS).
O projeto deveria promover a preservação dos recursos naturais da Amazônia e permitir a sobrevivência digna dos 22 milhões de brasileiros que habitam a região. “A não ser que resolvamos retirar essas pessoas de lá. Pelo que sei, isso não está em cogitação”, afirmou o ministro.
ESCLARECIMENTOS
Quanto à decisão do STF, Jobim disse esperar que a suprema corte do País, ao julgar a constitucionalidade da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, esclareça três pontos, todos dentro da Constituição: o regime jurídico das terras indígenas, a possibilidade ou não de demarcação dessas terras em região de fronteira e, principalmente, quais os critérios para o reconhecimento de terras indígenas.
O Estado de São Paulo Petrobrás encomenda 12 sondas no exterior
A Petrobrás já contratou as primeiras 12 sondas de perfuração do pacote de 40 que a partir de 2012 serão destinadas à área de pré-sal na Bacia de Santos. As unidades serão construídas no exterior e serão afretadas à estatal por um período de seis a dez anos. O custo total da 1ª etapa da encomenda foi de US$ 8 bilhões, informou ontem o diretor financeiro e de Relações com Investidores, Almir Barbassa. Apesar de ter anunciado que as 40 sondas seriam feitas no Brasil, a Petrobrás teve de recorrer ao mercado internacional porque a indústria naval nacional não pôde atender à encomenda.
O Estado de São Paulo ANÁLISE
Petróleo: risco de volta ao passado
Alberto Tamer
O Brasil descobriu enormes reservas de petróleo na Bacia de Santos. E agora, quem vai explora as que ainda certamente estão surgindo? Esse é o tema em debate, com a Petrobrás reivindicando maior poder e novas regras para novas concessões. Nada de entregar todo o petróleo às empresas estrangeiras que vierem a descobri-lo, mas, sim, mantê-lo em posse do governo, sob a forma de partilha. A empresa descobridora poderá explorá-lo, mas recebendo parte dele de acordo com contratos pré-assinados, uma vez deduzidos tributos e encargos.
Essa é uma reivindicação justa, pois os investimentos e pesquisas iniciais foram feitos pela Petrobrás, na qual o governo é o maior acionista. As que vierem vão aproveitar-se desse trabalho pioneiro e vitorioso, de elevado nível profissional hoje reconhecido no mundo.
MUDAR A LEI?
Mas isso exige uma reformulação da Lei do Petróleo, de Fernando Henrique Cardoso, que, mesmo mantendo “de fato” o monopólio estatal exercido pela Petrobrás, abriu espaço para a participação de empresas estrangeiras. Para José Sergio Gabrielli, presidente da estatal, essa lei servia antes da descoberta da Bacia de Santos. Agora, não mais.
É PRECISO CUIDADO
Não se trata apenas de uma discordância técnica, mas da definição de uma nova política petrolífera, com tintas ideológicas. É preciso equilíbrio e cuidado, avaliando os riscos e benefícios. Sem dúvida alguma, o cenário petrolífero mundial mudou profundamente nos últimos dez anos e a Petrobrás. Hoje, as estatais dominam a produção e as reservas mundiais de petróleo. E entre estas, se encontra a Petrobrás. As grandes empresas privadas perderam espaço. Seria justo, portanto, fortalecer ainda mais a Petrobrás, seguindo a política adotada pelos países da Opep, principalmente do Oriente Médio?
Esse é um assunto delicado. Vejamos. (1) Temos agora grandes reservas que podem nos colocar no mesmo nível dos principais membros da Opep, permitindo-nos também ditar as regras para novos investimentos. Mas, ao contrário deles, somos grandes consumidores e importadores ainda. (2) Eles têm recursos infindáveis, trilhões de dólares, campos rasos e maduros e dispensam o capital estrangeiro. Isso não acontece no Brasil, onde os campos são novos, em áreas difíceis que exigem somas imensas das quais só podemos dispor em parte. Nem se sabe quanto esse petróleo custará e se será economicamente viável.
Diante disso, a idéia do contrato de partilha, defendida por Gabrielli, é correta, mas é delicada.Ela pode afastar investidores que tanto vamos precisar.
Pode argumentar que não temos pressa. Errado. Temos sim, pois a Petrobrás importa petróleo leve ao preço do mercado internacional - altíssimo - e importa o pesado, desvalorizado como o da Venezuela. A cada dia perde recursos preciosos que poderia estar investindo no novo campo ou na construção de refinarias que processasse o óleo que temos hoje. Daí a necessidade de atrair investimentos externos para o setor.
QUE TIPO DE CONTRATO?
O ideal seria ter, não nas áreas já descobertas, mas nas novas, uma participação expressiva das empresas de petróleo estrangeiras, liberando recursos e técnicos da Petrobrás para as outras áreas promissoras. É preciso uma associação justa do capital nacional e estrangeiro na descoberta e exploração de novas jazidas. Técnicos do mundo todo apontam, surpresos, para o Brasil como uma das maiores promessas no cenário petrolífero mundial. Podemos em alguns anos estar produzindo mais de 3 milhões de barris por dia, superando até alguns produtores da Opep. Mas, para isso, é preciso que o governo se conscientize que o mercado mundial do petróleo mudou e não é mais dominado pelas multinacionais. Vamos precisar do capital externo, sem ferir os interesses nacionais.
SEM PAIXÃO, SENHORES
O mais importante é afastar o risco do retorno às ideologias de esquerda do passado, dos nacionalismos vazios e idiotas, com o do “O petróleo é nosso”, um slogan de mais de 50 anos que inspirou um monopólio nocivo ao País. Se tivéssemos aberto há mais tempo o mercado nacional do petróleo e aprovado a Lei do Petróleo, teríamos atraído preciosos recursos que perdemos há pelos menos 20 anos.Assim, não seríamos hoje tão dependentes do petróleo importado, que sufoca a nossa autonomia energética.
Muito do que conseguimos com os preços elevados das commodities agrícolas, que exportamos, está sendo absorvido pela importação de petróleo leve que só agora descobrimos.
MAIS ESTATAL, NÃO!
A solução parece residir na associação de contratos de concessão e de partilha. Mas parece já haver preferência, em Brasília, pelo contrato de partilha, em que o governo mantém a propriedade da reserva e controle da produção. O problema é que esse tipo de contrato talvez não interesse ao investidor externo e já se fala até na criação de uma nova estatal.
Mais uma estatal, não! Absolutamente, não! O presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, muito sagaz, com ar de ingênuo, correu a declarar que é contra. “Uma nova estatal não é bom para o Brasil.” Então, quem controlaria esses contratos? Ora, ora, pois não temos a Petrobrás?
O Estado de São Paulo STF deve proibir comércio de amianto
Os ministros do Supremo Tribunal Federal devem proibir, em todo o País, a extração e comercialização de produtos que contenham amianto, considerado nocivo à saúde dos trabalhadores. Ontem, por 7 votos a 3, foi cassada a liminar concedida no ano passado para anular os efeitos da lei que vedava a comercialização de produtos com amianto.
Valor Econômico OPINIÃO
É o fim dos portos públicos?
Terminais privativos têm simples contratos, sem licitação e livres para utilizar mão-de-obra como entenderem
Por Sérgio Aquino
Um grave risco, ainda obscuro para muitos, se avizinha para o futuro dos portos brasileiros, em função da lei 8.630/93, que gerou a possibilidade de terminais portuários privativos, operando cargas de terceiros, em franca concorrência com os portos públicos organizados, porém com regramentos diferenciados e alguns privilégios.
Difícil justificar que as empresas arrendatárias no porto organizado tenham de participar de longas licitações e estejam obrigadas a cumprir regramentos laborais na utilização de mão-de-obra do Orgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), seja a de avulsos, seja as daqueles com vínculo permanente, conforme modelo adotado também em outros países, enquanto os terminais privativos podem ser implantados com simples contratos de adesão, sem licitação e livres para utilizar mão-de-obra como entenderem.
Mais grave ainda a distorção quando se constata que todos vultosos investimentos da iniciativa privada, nas áreas arrendadas nos portos organizados, incorporam-se ao patrimônio do porto ao final do contrato de arrendamento, enquanto que o investidor do terminal privativo, de uso misto, nunca perderá o controle sobre seus bens.
Entretanto, terminais privativos de uso misto, instalados na região portuária, como no Porto de Santos, mesmo fora dos limites do porto organizado, movimentando complementarmente carga de terceiros, podem atender ao conceito de integração e têm viabilizado atuações, inclusive com mão-de-obra ligada ao Ogmo, como resultado das negociações de algumas empresas exemplares na responsabilidade social.
Passada a primeira fase do novo modelo portuário, uma parcela da iniciativa privada está considerando ser muito melhor investir em terminais privativos de uso misto, que movimentam cargas de terceiros e nos quais nunca perderá o controle sobre os investimentos, e onde não há nenhum regramento laboral portuário. Não é a iniciativa privada que está errada em investir preferencialmente no terminal privativo de uso misto. Foi a lei que errou ao adotar um modelo desequilibrado, com duas opções (porto público e terminal privativo de uso misto), porém com regramentos diferenciados.
Novos terminais privativos de uso misto estão surgindo, sem conexão com os portos públicos e praticamente sem nenhuma carga própria, em flagrante distorção à lei 8630/93 e ao modelo portuário mundial.
O poder público tem buscado regrar a implantação dos terminais privativos, de uso misto, mas tem encontrado dificuldades nos conceitos de carga própria e de terceiros, ou seja, atualmente tais terminais não precisariam comprovar carga própria, podendo livremente se instalar, ter liberdade laboral e concorrer de forma injusta com as empresas que investiram, em áreas arrendadas, no porto público.
Com tal cenário indaga-se: qual a lógica para a iniciativa privada continuar investindo em portos públicos, quando implantar terminal privativo é mais fácil e mais seguro em todos regramentos e principalmente em relação ao futuro dos valores investidos?
Se temos problemas com a administração dos portos públicos, precisamos, sim, apoiar firmemente as iniciativas da Secretaria de Portos da Presidência da República quanto à profissionalização de seus corpos diretivos e à necessidade de redução dos embaraços burocráticos. Foi gerando administrações eficientes e procedimentos ágeis que os principais portos do mundo responderam às necessidades de seus países.
Fortalecer a gestão local e envolver o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) na definição dos diretores dos Portos Públicos certamente auxiliaria.
O governo federal precisa claramente definir se pretende manter portos públicos, garantindo eficiência na administração e reduzindo burocracias, ou se permitirá que os terminais privativos possam ocupar o cenário nacional de forma desordenada, sem qualquer planejamento estratégico nacional, e com os atuais privilégios. Sabe-se que a Secretaria Especial de Portos da Presidência da República e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) estão atentas aos problemas e que os debates ainda serão aprofundados.
Caso conclua-se pela impossibilidade de regramentos administrativos, para garantir-se comprovação de carga própria e impedir privilégios aos Terminais Privativos de Uso Misto não restará alternativa se não a de se promover a revisão da lei 8.630/93. Isto não é questão de confronto das atividades públicas e privadas. É, sim, a definição de uma questão de isonomia, de planejamento estratégico e de interesse nacional. É, acima de tudo, definir qual o modelo portuário que se pretende para o país.
Com tal cenário de desequilíbrio de regras, cabe a pergunta: os portos públicos continuarão existindo no Brasil?
Sérgio Aquino é profissional portuário e atual secretário Municipal de Assuntos Portuários e Marítimos de Santos.

Monday, June 02, 2008

ONU pede medidas contra 'crise de segurança'
Violência policial no Brasil será tema de encontro com diplomatas na Suíça; Itamaraty vai ser pressionado
Jamil Chade

A violência policial no Brasil será exposta hoje pela ONU a diplomatas de todo o mundo. Embaixadores, especialistas e ativistas vão se reunir em Genebra para tratar do tema, e a ONU pedirá medidas urgentes do governo brasileiro para impedir o que a entidade chama de “verdadeira crise de segurança pública” no País. O Itamaraty será ainda pressionado a dar uma resposta à situação que, segundo a Anistia Internacional, começa a afetar a credibilidade do País nos fóruns diplomáticos.

O relator da ONU para assassinatos sumários, Phillip Alston, apresentará sua avaliação sobre o Brasil ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e acusará a polícia de envolvimento com grupos criminosos e formação de esquadrões da morte.

Entre as medidas sugeridas por Alston está a reforma do sistema judiciário para poder julgar policiais, além de maiores salários aos policiais para que não caiam em esquemas de corrupção. “É desconcertante ver que poucos homicídios são julgados”, afirmou Alston. Ele ainda sugere uma ampla investigação na atuação das polícias, além de monitoramento das prisões e maiores recursos para os ministérios públicos.

Organizações não-governamentais, como a Conectas, Gajop e Justiça Global, enviaram à ONU e aos governos uma carta, na semana passada, alertando que o Brasil até agora não pôs em prática as recomendações da entidade. “As organizações destacam que os casos de execuções sumárias pela polícia se agravaram em 2008”, informou a carta das entidades.

A ONU alerta que entre 45 mil e 50 mil pessoas são vítimas de homicídios no Brasil por ano e que as táticas da polícia e do governo não têm dado resultados. Alston diz que a operação no Morro do Alemão, na zona note do Rio, em junho de 2007, poderia ser exemplo dessa situação “trágica” e ataca o governo pela atitude. A ONU se queixa de não ter recebido nenhuma evidência de que as 19 mortes ocorridas na operação tivessem sido necessárias. Para piorar, os resultados da operação foram modestos: o chefe do tráfico não foi preso, nem uma grande quantidade de armas foi apreendida. Para Alston, táticas de guerra não funcionam.

Segundo a ONU, o número de homicídios vem gerando um temor generalizado na população, além de um sentimento de insegurança. Mesmo assim, “nada é feito para investigar, processar e condenar os responsáveis”. Na avaliação da organização, só 10% dos homicídios em São Paulo e no Rio são levados ao tribunal. Em Pernambuco, essa taxa é de apenas 3%.

O Estado de São Paulo Governo compra dois novos jatos
Contrato com Embraer para substituir os velhos “sucatinhas”, em uso há 34 anos, será assinado hoje
Roberto Godoy

O comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Juniti Saito, assina hoje na Embraer, em São José dos Campos (SP), o contrato de compra dos dois jatos Emb-190/195, versão executiva, que vão substituir os velhos Boeing 737-200 com cerca de 34 anos de uso - os Sucatinhas, utilizados como reservas do A-319 presidencial.

Na sexta-feira, um deles teve o pára-brisa trincado durante o vôo quando retornava de El Salvador para o Brasil. A bordo estavam os ministros Miguel Jorge, Edison Lobão e Patrus Ananias.

A versão escolhida para a troca é inspirada no sofisticado modelo corporativo Lineage, o maior dessa classe produzido pela empresa. A primeira unidade deve ser entregue até dezembro. O segundo avião sai da linha de montagem em 2009. O preço de referência da aeronave é de US$ 41 milhões. Todavia, sábado, em Roma, Lula disse aos jornalistas que espera da empresa “um precinho mais camarada.”

O presidente pretende fazer as viagens regionais de sua agenda com os novos aviões. Segundo o chefe da assessoria militar da Presidência, brigadeiro Joseli Camelo, “a Embraer trabalhou pesado para atender às exigências da Presidência da República”. A aeronave terá de ter autonomia para, a partir de Brasília, voar para todas as capitais da América do Sul e para atravessar o Oceano Atlântico. Deve ser capaz de pousar em pistas curtas, como a do Aeroporto Santos Dumont, que mede 1.300 metros. Além disso, precisa oferecer uma seção privativa para o gabinete do presidente e uma seção de passageiros entre 19 e 40 lugares. A eletrônica de bordo vai permitir que as decisões de comando, as comunicações e as atividades de inteligência do governo possam funcionar com segurança.

O arranjo de catálogo do avião prevê uma suíte, com cama de casal, TV de alta definição, conjunto sonoro, banheiro com ducha, poltronas de couro e mesa. Voa a 850 km por hora, com alcance máximo de 7.778 km - o suficiente para ir de Nova York a Paris ou Londres sem escala. O bagageiro pode ser acessado de dentro da cabine.

O Estado de São Paulo OPINIÃO
Desafios da diplomacia sul-americana
Marcelo de Paiva Abreu*

A política externa brasileira na América do Sul enfrenta hoje dois desafios, um ao Norte, outro ao Sul. O primeiro tem que ver com as fricções entre Colômbia e seus vizinhos, ameaças à integridade territorial na Amazônia e as fanfarronices de Hugo Chávez. Talvez a atenção se tenha indevidamente concentrado neste desafio e deixado de lado outro que é ainda mais grave: o aprofundamento das contradições entre os interesses brasileiros e a manutenção do Mercosul na sua situação atual, com a Argentina à beira de outra grave crise.

Quanto ao Norte, tem ganho corpo a idéia de que o incidente de fronteira entre a Colômbia e o Equador teria marcado uma guinada do governo Lula, com o fortalecimento da diplomacia profissional em detrimento dos entusiasmos bolivarianos que emanam de assessores presidenciais. Trata-se de simplificação indevida de realidade mais complexa. O Itamaraty tem tradição de competência em muitas áreas. Uma delas é na construção de versões que valorizam suas iniciativas e minimizam a importância dos momentos menos felizes de sua atuação. Muitas vezes há confluência de interesses na ornamentação da história institucional com interesses de embelezamento autobiográfico, com o primeiro objetivo legitimando o segundo. A versão da troca de bastão, do Palácio do Planalto para o Itamaraty, cumpre o objetivo de embelezar a ação do Itamaraty, antes da crise, e também algumas biografias. Tem base na idéia de que teria sido natural - até o incidente Colômbia-Equador - que a diplomacia profissional aceitasse de bom grado ceder esferas de influência a assessores com acesso privilegiado aos ouvidos do presidente.

Por que será que o Itamaraty não defendeu com mais pertinácia, antes da crise, a adoção de atitude mais profissional e alinhada com os interesses nacionais de longo prazo? Suspeita-se que a resposta tenha que ver com o fato de que segmentos substanciais da Casa tinham simpatias bolivarianas e embarcaram alegremente na canoa do chavismo. E que os equívocos da política externa brasileira na América do Sul até a pretensa guinada não devam ser lançados exclusivamente à conta das maléficas influências extra-Itamaraty.

Supondo que pirotecnias primitivas ao estilo União das Nações Sul-Americanas (Unasul) possam ser capazes de conter temporariamente as tensões no Norte da América do Sul, e que o presidente Lula de fato faça ouvidos moucos à ladainha dos bolivarianos tupiniquins, os esforços diplomáticos mais sérios do Itamaraty deveriam ser direcionados para preservar as relações do Brasil com a Argentina da crescente ameaça de deterioração. Para desapontamento dos defensores brasileiros do modelo argentino de calote-com-desenvolvimentismo, a situação econômica da Argentina está apontando para outra crise, de novo combinando inflação alta com fraco crescimento econômico.

É difícil exagerar o contraste, hoje, entre Argentina e Brasil, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Na Argentina, o período de crescimento muito rápido com o uso de capacidade ociosa dá mostras de chegar ao fim. Desde 2002, a economia argentina vem crescendo a taxas superiores a 8%. Em relação ao pico de 1998, entretanto, o Produto Interno Bruto (PIB) argentino cresceu à taxa anual de apenas 2,2%, ainda menor do que os medíocres 2,8% do Brasil. Para escolher o “modelo” argentino seria preciso ter preferência por menor crescimento com maior variância e calote, algo dificilmente classificável como racional. Tarifas de energia subsidiadas, somadas à falta de expansão de capacidade, têm levado a “apagões” de todo o tipo, com efeitos sobre níveis de investimento e de atividade. As exportações agrícolas estão 250% acima do nível de 2002, mas, apesar disso, o governo, ao aumentar o nível de “retenções” das receitas de exportação, provocou enfrentamento com os exportadores e restrições de oferta. O governo continua manipulando os índices de preço, enquanto a inflação verdadeira provavelmente excede 20% ao ano.

Em contraste, o Brasil, embora dê sinais de pressões inflacionárias, desregramento fiscal e deterioração das contas externas, acumula elogios de analistas e manifestações de interesse de investidores. Obtém investment grade e ameaça tornar-se produtor importante de petróleo. Enquanto a popularidade de Lula beira os 60%, a de Cristina Fernández mergulhou 30 pontos, para alcançar 26%.

A tarefa de vender ao mundo a idéia de que negociar com o Brasil significa, em muitos casos, incluir o restante do Mercosul é árdua. Tais dificuldades podem ser ilustradas por negociações em andamento. O corolário da incapacidade de o Mercosul definir uma Tarifa Externa Comum sem extensa lista de exceções é que, nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e com a União Européia, por exemplo, a apresentação de propostas pouco realistas que incluem exceções tarifárias de todos os membros na negociação de produtos sensíveis.

Nesse quadro, é irrealista considerar, com seriedade, divagações, mesmo que presidenciais, sobre política macroeconômica comum, moeda comum e quase qualquer coisa comum. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer o papel central que devem ter relações políticas sólidas com a Argentina. O Itamaraty deve conceder prioridade absoluta ao aprofundamento e à reformulação do atual arranjo de integração regional rumo a uma fórmula que ao mesmo tempo evite hostilizar a Argentina e amplie o raio de manobra para que o Brasil negocie extra-Mercosul - para minimizar a tentação de escolher entre o mundo e o Mercosul.

*Marcelo de Paiva Abreu, doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

O Globo TEMA EM DISCUSSÃO: ANGRA 3
NOSSA OPINIÃO - Fato irrefutável

Quiseram os desígnios da política que o militante ambientalista Carlos Minc deixasse o secretariado do governo fluminense e assumisse o Ministério do Meio Ambiente na fase final de tramitação na Pasta do pedido de licença para a usina nuclear de Angra 3.

Da construção da carreira pública de Minc constaram muitas críticas à energia nuclear e, em particular, às usinas do litoral Sul Fluminense. O novo ministro já chamou a coincidência de "uma casca de banana atômica". Político, deixou claro, no entanto, que não será empecilho ao desengavetamento do projeto - como deseja o governo - , há 22 anos encalhado em incompreensões e na falta de dinheiro. Minc não interferirá contra o projeto, mas diz que ele será "tratado com o rigor da lei e das compensações ambientais".

O avanço tecnológico no ramo das termonucleares - como de resto em todos os outros - aumentou bastante a margem de segurança das usinas, que já era elevada.

Diante do aquecimento global, causado pelas emissões da queima de combustíveis fósseis - petróleo, carvão etc. -, tem ocorrido no mundo uma espécie de reabilitação das termonucleares, fontes mais limpas de energia. Até segmentos do movimento ecológico já se inclinam por elas.

Porém, o mais forte argumento a favor de Angra 3 e de novas usinas é o risco de apagões no país, amplificado pelas dificuldades de toda ordem existentes na exploração da fronteira hidrelétrica amazônica.

A mais recente envolve a segunda usina leiloada para o Rio Madeira, a Jirau, do consórcio Suez, Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul. Como o projeto original foi deslocado em nove quilômetros, devido a razões de custo, há o risco de novos atrasos impostos pelo Ibama.

O problema é que o país não tem grande margem de manobra para manter o consumo atendido. E será pior se o melhor acontecer, ou seja, se o país continuar a crescer a 4%, 5% ao ano.

O Ipea, do governo, dá os números dessa equação intrincada: de 2007 a 2010, a oferta de energia deverá crescer 12,3 mil megawatts (MW), enquanto o aumento do consumo chegará a 25,7 mil MW -, sendo que em 2010 ainda não estarão disponíveis os 4 mil MW das usinas do Madeira (além de Jirau, Santo Antônio). Assim, até o início da próxima década, o país estará mais dependente das chuvas do que o desejável. Não dá para fingir que não existe a energia nuclear.

OUTRA OPINIÃO - Quem viver, verá!
ASPÁSIA CAMARGO

Aenergia nuclear divide opiniões e não é mais a unanimidade negativa que a elegeu, no passado, a grande vilã do movimento ambientalista. A mudança deve-se em especial ao agravamento das mudanças climáticas e da acumulação dos gases de efeito estufa na atmosfera. James Lovelock, o autor da teoria Gaia, apóia a energia nuclear como o mal menor, e muitos estão preferindo a opção nuclear ao carvão e às termelétricas.

A rigor, toda fonte intensiva de energia polui: as hidrelétricas destroem a biodiversidade e alteram o curso dos rios, a biomassa depende de agricultura intensiva e até a energia eólica, o carro-chefe da energia renovável na Europa do Norte, extingue os pássaros, é barulhenta e destrói a vida.

No entanto, os velhos problemas da opção nuclear continuam. É difícil evitar com 100% de segurança o vazamento, e ninguém sabe onde descartar resíduos perigosos. Somos humanamente incompetentes e pouco confiáveis para lidar com tamanho risco. O problema maior de Angra 3 é, de fato, Angra 1, o erro inicial dos militares que, em nome da autonomia energética, deformaram a vocação ecoturística da Costa Verde, o paraíso sobre a Terra, transformando-a em área de risco. Um crime ambiental e vocacional contra o Estado do Rio.

Angra 3 é apenas um reforço do que já existe. Pode nos garantir suprimento de energia e mais desenvolvimento, mas o processo de licenciamento foi malfeito. A audiência pública, manipulada e movida a camisetas distribuídas a uma massa de manobra remunerada - a população mais pobre em busca de uns trocados, porque nem emprego terá, a não ser o temporário, que vai agravar a favelização já avançada e predatória que destrói as encostas do nosso paraíso verde.

Os ambientalistas constataram também que, em caso de acidente, o processo de evacuação é lento e precário. Ninguém ligou, mas o fato merece nossa atenção porque, afinal, a área da usina foi nomeada pelos indígenas de Itaorna, que significa Pedra Podre, dada a fragilidade geológica do local. Convenhamos também que armazenar rejeitos nucleares ao nível do mar é outra insanidade. Quem viver, verá!

ASPÁSIA CAMARGO é vereadora no Rio pelo PV.

O Globo Bolívia: Pando e Beni votam por autonomia
Contagem rápida dá ampla vitória ao "sim", em resultado que fortalece posição de Santa Cruz perante La Paz

LA PAZ e SANTA CRUZ DE LA SIERRA. Os departamentos bolivianos de Pando e Beni votaram ontem seus estatutos sobre autonomia, num dia marcado por incidentes isolados de violência e por protestos de partidários do presidente Evo Morales, que não reconhece as votações. Segundo contagens rápidas divulgadas pelos dois departamentos, a aprovação dos estatutos deve ser em ambos superior a 80%. Já os índices de abstenção devem ficar em torno de 40% em Pando e 45% em Beni. Pesquisas de boca de urna das principais emissoras de TV também confirmavam o resultado. Apesar de serem dois departamentos pobres da Meia Lua boliviana, a votação de ontem teve importância estratégica pois deve fortalecer o movimento pró-autonomia liderado por Santa Cruz, a região mais rica do país, e que já aprovou unilateralmente seu estatuto.

Tarija vai realizar referendo em 22 de junho
O clima de tensão foi maior em Pando, principalmente na cidade de Filadélfia, a 50 quilômetros da capital do departamento, Cobija. A região teve suas estradas bloqueadas e, segundo as autoridades, pelo menos cinco urnas foram queimadas por camponeses partidários de Morales. O governador de Pando, Leopoldo Fernández, acusou o presidente de tentar impedir a votação.

- Tentaram impedir que pelo menos 2.500 pessoas exerçam seu direito a voto. Mas não conseguiram, Evo Morales não saiu vencedor - disse o governador.

Em Beni, a cidade de Yucumo também foi alvo de protestos e teve algumas estradas bloqueadas por simpatizantes de Morales. Segundo as autoridades, no entanto, não há registros de feridos. Na capital do departamento, Trinidad, defensores do referendo e simpatizantes do governo de La Paz se confrontaram nas ruas. Segundo o governador Ernesto Suárez, cerca de 4% das urnas não foram instaladas por causa dos protestos. Mesmo assim, afirmou ele, a votação foi um sucesso pois mais de 80% dos eleitores do departamento teriam ido às urnas até o final da tarde de ontem.

- Participamos de uma consulta histórica, e que já pode ser considerada um sucesso por causa do clima cívico de participação e organização - disse o governador. - Com a aprovação do estatuto, poderemos explorar da melhor forma nossas vocações econômicas, sem depender das políticas de La Paz, que tanto nos sacrificam.

Com os referendos de ontem, três dos quatro departamentos da Meia Lua boliviana cumpriram suas promessas de realizar de forma unilateral as votações, desafiando o governo de Morales que afirma que as tentativas de se obter mais autonomia são ilegais. Tarija, um dos principais produtores de petróleo e gás natural da Bolívia, deve realizar seu referendo no dia 22 de junho, segundo as autoridades locais.
O governador de Santa Cruz, Ruben Costas, esteve ontem em Beni e Tarija para declarar seu apoio aos referendos. Costas pretende fortalecer sua posição perante o governo Morales com a aprovação dos referendos dos demais departamentos da Meia Lua. Dessa forma, negociaria em bloco com La Paz o que, segundo analistas, aumentaria as chances do governo central fazer mais concessões.

Santa Cruz aprovou seu referendo no dia 4 de maio e instituiu reformas que não são consideradas pelo governo boliviano, entre elas a mudança do nome do departamento e a criação de uma Assembléia Legislativa. As decisões, no entanto, podem provocar um impasse jurídico e tributário na Bolívia.

Em La Paz, o governo boliviano voltou a declarar sem validade os referendos realizados na Meia Lua. Durante a semana, Evo Morales fez várias visitas a Pando e Beni e inaugurou uma série de projetos sociais, numa tentativa de fortalecer suas bases políticas nas comunidades mais pobres.

- O governo boliviano reafirma que os referendo realizados não são legais e que não mudarão a ordem política e constitucional. Eles foram impulsionados por uma minoria que só pretende dividir o país - disse um porta-voz do presidente.

Revista IstoÉ O grileiro da Amazônia
PF e Abin investigam Johan Eliasch e várias ONGs por fraudes em terras públicas ricas em ouro e diamantes, biopirataria e lavagem de dinheiro
Hugo Marques

A notícia de que o sueco Johan Eliasch, criador da ONG Cool Earth, afirmara em uma reunião em Londres que apenas US$ 50 bilhões bastariam para comprar toda a Amazônia colocou o governo brasileiro em alerta. Isso porque a declaração de Eliasch não foi um mero arroubo imperialista. Além de anunciar publicamente que já comprou 160 mil hectares de terras nos municípios de Itacoatiara e Manicoré, no Amazonas, Eliasch vem estimulando outros empresários a fazer o mesmo. O objetivo seria a “preservação da floresta” com iniciativas como a campanha de compra de créditos de carbono da Cool Earth, em que cada doador deve contribuir com 35 libras esterlinas para cada 0,5 acre (0,20 hectares). Mas uma investigação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aponta indícios de fraude nos negócios de Eliasch. As terras que ele afirma ter comprado não estão formalmente registradas nem em seu nome nem em nome da Cool Earth. Elas são terras públicas. Parte delas pertence ao Parque Estadual do Cristalino e parte à Força Aérea Brasileira (FAB). E, curiosamente, algumas áreas que Eliasch anuncia como suas estão em regiões ricas em ouro e diamante. E, segundo a Abin, Eliasch não seria o único a praticar tais irregularidades. A Agência repassou à Polícia Federal uma série de relatórios sobre atividades de várias ONGs que atuam na Amazônia e estariam agindo de forma suspeita. Num documento mais volumoso, a Abin descreve a ação de 25 organizações estrangeiras. Em outros seis relatórios, detalha a ação daquelas com maiores indícios de suspeitas de irregularidade.

A Divisão de Inteligência Policial (DIP) da PF já começou a se debruçar sobre esses papéis. O trabalho conjunto da PF e da Abin poderá resultar na maior varredura da história sobre as atividades de organizações internacionais na Amazônia. Sob a fachada de entidades ambientais, muitas são suspeitas de biopirataria, grilagem de terras e levantamento de recursos minerais. O secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, diz que o governo está preparando medidas para enquadrar essas ONGs. Tuma também desconfia dos negócios do sueco Eliasch na Amazônia. “Qual é o propósito de alguém que compra terra e não põe em seu nome? Precisamos ver se ele não é um estelionatário”, afirma o secretário.

O caso de Eliasch e da Cool Earth assusta pelas conexões e pela afinidade de suas ações com o discurso de internacionalização da Amazônia que volta a crescer no mundo. Eliasch é nada menos que o conselheiro para desflorestamento e energias limpas do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Ele também é dono do grupo Head NV, um dos grandes fabricantes de materiais esportivos, e é casado com uma brasileira, a socialite Ana Paula Junqueira. Ela, aliás, é a representante da Cool Earth no Brasil e também está sendo investigada pela Abin e pela PF. Um exemplo do respaldo que o sueco tem no Reino Unido foi um editorial elogioso publicado no Daily Telegraph dias depois que o jornal O Globo publicou, no início da semana passada, trechos do relatório da Abin que detalhava as atividades suspeitas da Cool Earth na Amazônia. Segundo o Telegraph, a iniciativa de Eliasch de comprar terras na Amazônia e estimular outros empresários a fazer o mesmo é “louvável”. Num raciocínio que parece voltar à lógica que no passado justificava o colonialismo britânico sobre a Índia e a África, o jornal sugere que apenas países com “condições de vida mais elevada” poderiam ter maior dedicação às questões ambientais. “Não é possível, diante da realidade do Brasil, obrigar fazendeiros que buscam prosperar com suas produções e a proteger a floresta. Para os brasileiros, terras improdutivas significam menos prosperidade”, escreve o diário britânico. A ONG Cool Earth tem ainda o apoio do ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Miliband, como aponta o próprio relatório da Abin. No governo Tony Blair, Miliband era o ministro do Meio Ambiente.

No ano passado, o governo do Amazonas Kyoquestionou Eliasch sobre as terras que teria no Estado. A resposta veio por meio do advogado Aldo de Cresci Neto, que informou ao governo tratar-se de terras que estão em nome da empresa Gethal Amazonas S.A., Indústria de Madeira Compensada. Cresci Neto, que tem escritório na avenida Paulista, em São Paulo, diz que vai se pronunciar sobre o caso na próxima semana. A Abin produziu um diagrama sobre o “esquema de controle indireto de terras”, onde estão os nomes de Eliasch e de todos os seus sócios no Brasil, conforme documentação à qual ISTOÉ teve acesso. Além de Cresci Neto, lá aparecem como controladores das terras de Eliasch os brasileiros Maria das Graças Simas Nazaré e José Carlos da Silva Júnior, sócios da Gethal, e Lúcio Pereira de Brito, da Empresa Florestal da Amazônia (EFA).

Esta cadeia de sócios inclui empresas no Exterior, como o fundo Brazil Forestry Fund Investment e o grupo Granham, Mayo van Otterloo & Corporation (GMO). Desde 2004, segundo a Abin, a Gethal vem recebendo aporte financeiro da empresa EFA, com sede em São Paulo, num total de R$ 8,6 milhões. “A forma como ocorreu a aquisição das propriedades da Gethal induz a crer que os negociantes pretendiam evitar o crivo de instituições como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)”, diz o relatório da Abin enviado ao Ministério da Justiça. O Ministério da Fazenda também entrou na investigação para passar a limpo as relações empresariais e os investimentos desses ongueiros internacionais, através do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, que investiga lavagem de dinheiro. De acordo com o primeiro levantamento do Coaf, uma das empresas que Eliasch utiliza para registrar as terras é a Florestas Renováveis da Amazônia (Floream), que tem em seu nome 62 mil hectares. A EFA possui 54 mil hectares.

Além das organizações ligadas a Eliasch, a Abin e a PF investigam outras ONGs. O diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, diz que os relatórios da Abin e da DIP já foram enviados às superintendências da PF na Amazônia. Vários inquéritos poderão ser instaurados, o que depende de decisão da PF nos Estados. “Há indícios de atuação de várias ONGs em ações ilícitas de biopirataria e no trato com populações indígenas”, confirma Corrêa. “E algumas dificultam a ação do Estado na região.” Ele diz que aumentou o efetivo da PF em toda a Amazônia em 25% e tornou permanente a Operação Arco de Fogo, que vem prendendo quadrilhas envolvidas com a destruição da floresta. “Vamos checar agora a indústria moveleira, que é quem compra a madeira”, diz Corrêa. As autoridades também estão muito preocupadas com os chamados “biocosméticos”. De acordo com as investigações, algumas ONGs entram em áreas indígenas sem autorização da Funai e vendem os conhecimentos dos índios sobre plantas, folhas e raízes para os laboratórios de fármacos multinacionais. É a partir desse relacionamento que medicamentos e cosméticos retirados da fauna e da flora brasileiras acabam sendo patenteados no Exterior. Uma das ONGs que estão na mira do governo é a Amazon Conservation, dos Estados Unidos, investigada por suposto envolvimento com biopirataria.

Para um dos maiores especialistas em Amazônia no País, o delegado federal Mauro Sposito, coordenador de operações especiais de fronteira, é preciso classificar o tipo de trabalho que algumas ONGs fazem na região. “No nosso entendimento, ONG é nada mais que lobby”, diz Sposito. “E a ação de lobby não está regulamentada no Brasil.” O secretário Romeu Tuma Júnior anunciou que o Ministério da Justiça está preparando uma nova legislação para regulamentar a atuação de ONGs. Segundo o projeto, a presença de organizações estrangeiras na Amazônia dependerá de autorização dos Ministérios da Justiça e da Defesa, com prazos préestipulados. O projeto prevê ainda multas de R$ 5 mil a R$ 200 mil, cancelamento de visto e deportação de quem for pego agindo sem autorização na região. Essas mudanças estão incluídas numa revisão da Lei de Estrangeiros e em outras medidas que serão anunciadas pelo presidente Lula. O pacote jurídico será remetido pelo Ministério da Justiça à Casa Civil em 15 dias. O Ministério estuda um “controle social” das ONGs, igual ao que existe para as organizações da sociedade civil de interesse público – Oscip. Cadastradas pelo governo, as Oscips prestam contas na internet.

Responsável pela elaboração de um plano de desenvolvimento de longo prazo para a Amazônia, o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, diz que a região é um caldeirão de insegurança jurídica, o que facilita a penetração estrangeira. “A Amazônia não pode ser a casa da sogra”, diz. “Quem cuida da Amazônia é o Brasil.” Mais importante do que discussões sobre a soberania nacional, diz o ministro, é a criação de um projeto de desenvolvimento nacional. “Nosso problema é a confusão e a falsa disputa entre ambientalistas e desenvolvimentistas.” Ele alerta, também, que o País não pode difundir o que chama de “paranóia espontânea”, quando o assunto é a suposta invasão estrangeira. Investimentos oriundos de interesses legítimos e legais sobre a floresta sempre serão bem-vindos. “Temos que evitar a xenofobia vazia”, alerta.

“A Amazônia tem dono”
O presidente Lula deu um duro recado aos países desenvolvidos que questionam a soberania do Brasil sobre a Amazônia, ao abrir o 20º Fórum Nacional do BNDES, no Rio, na segunda-feira 26. “O mundo precisa entender que a Amazônia brasileira tem dono, e que o dono da Amazônia é o povo brasileiro.” Foi uma clara referência à edição de ISTOÉ da semana passada, que trouxe reportagem de capa com o título “A Amazônia é nossa” e levantou a necessidade de o governo brasileiro se posicionar claramente sobre as pressões para a internacionalização da Amazônia. O presidente criticou a postura de países que no século passado destruíram suas florestas e que agora defendem a preservação da região. “É muito engraçado que os países responsáveis pela poluição do planeta agora fiquem de olho na Amazônia da América do Sul”, disse. “O próprio Tratado de Kyoto já faliu. Foi muito bonito assinar, maravilhoso, todo mundo assinou. Agora, quem tinha que tomar medidas para cumprir o Protocolo de Kyoto nem o referendou. Fomos nós que referendamos”, atacou Lula.

Valor Econômico Crimes cibernéticos e Amazônia tornam-se prioridades para a PF
Cristiano Romero

Proteção da Amazônia, crimes cibernéticos, proliferação de drogas sintéticas, crescimento acelerado da economia, maior inserção do Brasil na geopolítica mundial, aumento da imigração. Estes são os desafios que estão reorientando a ação da Polícia Federal (PF), que decidiu fazer, pela primeira vez em sua história, um planejamento estratégico de longo prazo. O plano vai até 2022 e tem a ambição de transformar a PF em referência mundial em segurança pública.

Para viabilizar o plano, a polícia vai incorporar métodos de gestão em sua rotina, investir pesado na formação de pessoal e em pesquisa aplicada, aumentar a presença na região Amazônica e descentralizar suas atividades, transferindo às unidades estaduais autonomia nas áreas de gestão, inteligência e condução das operações. O novo planejamento não é um capricho da atual cúpula da polícia, mas uma necessidade, diz o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa.

"A PF evoluiu muito, os resultados são positivos, os índices de credibilidade são elevados. Como gestores, temos uma grande marca. Agora, temos que dar sustentabilidade a ela", diz Corrêa, que assumiu o comando da polícia em setembro do ano passado, em substituição a Paulo Lacerda, atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência. "Se não pensarmos estrategicamente o futuro, a tendência é a PF entrar em colapso."

A PF cresceu de forma significativa no governo Lula. Seu orçamento expandiu 86,4% nos últimos sete anos, chegando este ano a R$ 3,4 bilhões. O número de policiais passou de 7.767 em janeiro de 2003 para 10.869 em maio último. No total, incluindo os servidores administrativos, o quadro de funcionários teve incremento de 47% nesse período.

O investimento deu resultados. De 2004 até o início deste ano, a PF realizou, a partir de um foco em trabalhos de inteligência, 494 operações especiais. Prendeu 8.094 pessoas, inclusive, funcionários públicos e agentes da própria polícia. Em apenas cinco das 188 operações realizadas em 2007, apurou desvio de R$ 5 bilhões em recursos públicos. A resposta da opinião pública foi positiva. Pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados do Brasil constatou, em setembro do ano passado, que a PF é considerada hoje a instituição mais confiável do país (com 75,5% de aprovação).

Corrêa negocia com o Ministério do Planejamento autorização para contratar, em 2009, mais dois mil agentes e três mil funcionários administrativos. Sua justificativa é a de que a PF tem hoje 1.800 policiais desviados para atividades-meio. "O FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) tem para cada agente três funcionários administrativos", cita ele. Na polícia brasileira, a proporção é oposta a essa.

Mesmo defendendo a contratação de mais agentes, sob o argumento de que "o Brasil é grande, mas a PF é pequena", o diretor-geral diz que a integração do trabalho da polícia com órgãos de segurança estaduais e municipais mitiga essa necessidade. É por essa razão que a PF fechou convênios com 16 Estados. Outra forma de enfrentar a limitação de pessoal é fazer planejamento estratégico.

"Se fôssemos fazer tudo sozinhos, precisaríamos de uns 200 mil federais. Mas, para o cidadão, o serviço de segurança é um só. Temos que articular as capacidades, diminuindo a necessidade de aumentar o efetivo", afirma Corrêa, que, à frente da Secretaria Nacional de Segurança, antes de assumir a PF, criou o Sistema Único de Segurança Pública, uma tentativa de integrar o trabalho das polícias.

Mesmo tendo crescido de forma consistente nos últimos anos, a PF expandiu, atesta Corrêa, sob o signo do "improviso", "de forma reativa" às demandas que foram surgindo. O desafio, agora, é prepará-la para enfrentar criminosos cada vez mais ousados, organizados e dotados de recursos tecnológicos.

Com quase 40 milhões de usuários de internet, o Brasil é, por exemplo, um dos paraísos dos chamados crimes cibernéticos. A combinação de sistema bancário informatizado, mercado financeiro atraente, moeda estável e juros altos atrai o interesse de criminosos. Corrêa menciona também o fato de os produtores e traficantes estarem substituindo drogas naturais por sintéticas, o que envolve cada vez mais a participação de pessoas de classe média, com acesso a viagens ao exterior, em vez dos habitantes de favelas.

A proteção da Amazônia, um tema central hoje no debate nacional, é outra prioridade da nova PF. "Há uma incoerência entre a nossa presença no país e as prioridades nacionais", reconhece o diretor-geral da PF, acrescentando que a presença da polícia na Amazônia é "precária". A ordem agora é deslocar do litoral para aquela região a maioria dos novos agentes, mas criando antes estruturas e estímulos para que eles trabalhem lá. "Ser o responsável pela guarda desse patrimônio tem que ser um orgulho e não um castigo. Isso muda o planejamento. Se a prioridade é a Amazônia, precisamos de peritos em meio ambiente."

A formação de peritos é a "menina dos olhos" de Luiz Fernando Corrêa. A PF sempre formou agentes, por meio de cursos de curta duração, na sua academia nacional, sede em Brasília. Depois de constatar que há, entre os policiais, cerca de 300 mestres, doutores e PhDs, Corrêa decidiu criar uma instituição de nível superior dentro da academia. A entidade já foi credenciada pelo Ministério da Educação e a idéia é formar policiais qualificados e investir em pesquisa aplicada.

Dois exemplos recentes mostraram o potencial dessas pesquisas. Uma perita da PF está desenvolvendo um sistema de monitoramento de plantações de maconha com grau de precisão superior ao dos métodos tradicionais. "Por perfis de cores, podemos identificar, por satélite, uma roça de maconha. Isso é muito complexo por causa das tonalidades. Já estamos com 16 mil tipos tonalidades, para diminuir a margem de erro", conta o diretor-geral.

Outra pesquisa que vem sendo desenvolvida por um agente da PF visa identificar o DNA de pedras preciosas. "Se apreenderem na Europa alguma pedra, teremos condições de afirmar de que garimpo saiu. Não só o país, mas também o garimpo", revela, maravilhado, Luiz Fernando Corrêa.